sexta-feira, 13 de julho de 2007

Tongue Split: o corpo bifurcado

Um corpo nunca é somente um corpo, é também uma linguagem. Uma linguagem pode ser representação, expressão, concepção, comunicação ou outra coisa qualquer. O fato é que o corpo traz em si algumas questões discutidas pela minha querida ciência, a antropologia. Quando penso em corpo não consigo dissociar meus pensamentos de questões como identidade, memória, poder, estética [...], por isso mesmo quero falar-lhes um pouco sobre o ‘tongue split’, uma modificação corporal que consiste numa bissecção lingual. De início, sei que pode assustar algumas pessoas, assim como foi a dilatação dos lábios em algumas etnias com o uso dos tembetás [peças feitas, normalmente, de osso ou pedra]. Ocorre que é inegável a diferença cultural entre povos, assim como é também o etnocentrismo, por isso não espero que os eventuais leitores aceitem facilmente o ‘tongue split’, mas espero que parem para refletir sobre os diversos ‘mundos possíveis’. Pois bem, de forma simplificada, tongue split o é termo usado para se referir à divisão da língua em duas partes. Em geral não há modificação na estrutura da língua, nem prejuízos na fala [quando a bifurcação não é muito profunda], tampouco é removido algum tecido. Os métodos e técnicas utilizados para tal procedimento podem alterar, em parte, os resultados obtidos. Por exemplo, se não for realizada a sutura, o tecido a língua pode adquirir um formato menos arredondado, o que pode evidenciar uma certa cosmologia. Existem diversas formas de se fazer o ‘tongue split’, rapidamente vou falar sobre alguns procedimentos. Pode-se fazê-lo utilizando um fio de nylon e apertando-o, com o tempo, a língua vai se dividindo, mas esse procedimento é doloroso, pouco utilizado e pouco recomendado também. Outra forma é com um bisturi normal e duas pinças, que seguram as metades da língua no momento do corte, evitando que o sangue em excesso atrapalhe o procedimento, entretanto, antes da bissecção é aconselhável um piercing grande, de 6.4 mm ou 8.2 mm para ancorar a bifurcação. É necessário também a utilizar algum cauterizador, tendo em vista o sangramento a posteriori. Já com o bisturi elétrico a cauterização é feita no momento do corte, não obstante possa aumentar os riscos de danos periféricos, além de ser um pouco doloroso. Por último, e o mais aconselhável, é fazer a bifurcação com laser e auxilio médico, num local apropriado [uma clínica] que lhe ofereça a segurança necessária à realização do procedimento, tendo em vista que a bifurcação da língua é um procedimento perigoso no qual podem ocorrer graves danos, incluindo a morte. A parte mais complicada – acredito eu – será convencer o médico da sua sanidade mental. Mas para isso há jeito, assim como também há jeito para se reverter o processo de língua bífida [caso alguém queira testar]! Bom, levando-se em consideração que a média de leitura dos usuários de Internet é de 2 minutos, acho melhor não me delongar [a propósito, existem também práticas de alongamento da língua ... essa é uma história que eu conto depois], mas interessa ressaltar, primordialmente, a importância do respeito às pessoas imersas no contexto das modificações corporais. A antropologia já demonstrou alguns dos efeitos produzidos pela intolerância em contextos culturais distintos, e elas não me agradaram. Por isso, mesmo não tendo a língua bifurcada, respeito e defendo a construção do corpo nas mais diversas sociedades.


[Nota extra]: A primeira bifurcação registrada na história moderna do ‘body modification’ data de 1997 tendo crescido exponencialmente os adeptos dessa prática já no ano 2000. Tive acesso a dados de 2003, no qual havia uma estimativa de 1500 a 2000 pessoas com língua bífida no ocidente.