sexta-feira, 13 de julho de 2007

Tongue Split: o corpo bifurcado

Um corpo nunca é somente um corpo, é também uma linguagem. Uma linguagem pode ser representação, expressão, concepção, comunicação ou outra coisa qualquer. O fato é que o corpo traz em si algumas questões discutidas pela minha querida ciência, a antropologia. Quando penso em corpo não consigo dissociar meus pensamentos de questões como identidade, memória, poder, estética [...], por isso mesmo quero falar-lhes um pouco sobre o ‘tongue split’, uma modificação corporal que consiste numa bissecção lingual. De início, sei que pode assustar algumas pessoas, assim como foi a dilatação dos lábios em algumas etnias com o uso dos tembetás [peças feitas, normalmente, de osso ou pedra]. Ocorre que é inegável a diferença cultural entre povos, assim como é também o etnocentrismo, por isso não espero que os eventuais leitores aceitem facilmente o ‘tongue split’, mas espero que parem para refletir sobre os diversos ‘mundos possíveis’. Pois bem, de forma simplificada, tongue split o é termo usado para se referir à divisão da língua em duas partes. Em geral não há modificação na estrutura da língua, nem prejuízos na fala [quando a bifurcação não é muito profunda], tampouco é removido algum tecido. Os métodos e técnicas utilizados para tal procedimento podem alterar, em parte, os resultados obtidos. Por exemplo, se não for realizada a sutura, o tecido a língua pode adquirir um formato menos arredondado, o que pode evidenciar uma certa cosmologia. Existem diversas formas de se fazer o ‘tongue split’, rapidamente vou falar sobre alguns procedimentos. Pode-se fazê-lo utilizando um fio de nylon e apertando-o, com o tempo, a língua vai se dividindo, mas esse procedimento é doloroso, pouco utilizado e pouco recomendado também. Outra forma é com um bisturi normal e duas pinças, que seguram as metades da língua no momento do corte, evitando que o sangue em excesso atrapalhe o procedimento, entretanto, antes da bissecção é aconselhável um piercing grande, de 6.4 mm ou 8.2 mm para ancorar a bifurcação. É necessário também a utilizar algum cauterizador, tendo em vista o sangramento a posteriori. Já com o bisturi elétrico a cauterização é feita no momento do corte, não obstante possa aumentar os riscos de danos periféricos, além de ser um pouco doloroso. Por último, e o mais aconselhável, é fazer a bifurcação com laser e auxilio médico, num local apropriado [uma clínica] que lhe ofereça a segurança necessária à realização do procedimento, tendo em vista que a bifurcação da língua é um procedimento perigoso no qual podem ocorrer graves danos, incluindo a morte. A parte mais complicada – acredito eu – será convencer o médico da sua sanidade mental. Mas para isso há jeito, assim como também há jeito para se reverter o processo de língua bífida [caso alguém queira testar]! Bom, levando-se em consideração que a média de leitura dos usuários de Internet é de 2 minutos, acho melhor não me delongar [a propósito, existem também práticas de alongamento da língua ... essa é uma história que eu conto depois], mas interessa ressaltar, primordialmente, a importância do respeito às pessoas imersas no contexto das modificações corporais. A antropologia já demonstrou alguns dos efeitos produzidos pela intolerância em contextos culturais distintos, e elas não me agradaram. Por isso, mesmo não tendo a língua bifurcada, respeito e defendo a construção do corpo nas mais diversas sociedades.


[Nota extra]: A primeira bifurcação registrada na história moderna do ‘body modification’ data de 1997 tendo crescido exponencialmente os adeptos dessa prática já no ano 2000. Tive acesso a dados de 2003, no qual havia uma estimativa de 1500 a 2000 pessoas com língua bífida no ocidente.

domingo, 24 de junho de 2007

Novas Brincadeiras: Bloodplay, o fetiche do sangue


[notas sobre as fotos]: Os utensílios de cultura material vistos aqui são modos tecnológicos da diversidade do pensamento humano. Em algum momento um ‘animal racional’ pensou e desenvolveu tais artefatos [sendo que é possível também considerar uma ressignificação dos mesmos]. Essas fotos fazem parte de um pequeno acervo de possibilidades do bloodplay.
Algumas práticas culturais são tidas como inaceitáveis em determinadas sociedades por, aparentemente, se afastarem da normalidade, recebendo um pesado rótulo de manifestações patológicas. Mas não acredito nessa ‘patologia’, melhor dizendo, prefiro ter como modo pensar, sentir e agir, todas aquelas atitudes relacionadas com o tal do ‘relativismo cultural da antropologia’. Nesse sentido, me afasto das práticas etnocêntricas [embora reconheça nelas, também, um importante aspecto que estrutura momentaneamente as identidades culturais]. Bom, eu disse isso porque agora quero tentar explicar uma prática cultural pouco difundida em contexto nacional, muito embora algumas ‘cenas’ [...] há deixa pra lá [...] não tem relevância. O fato é que daqui a algum tempo novos termos como bloodsports ou bloodplay serão incorporados ao imaginário coletivo e, a priori, serão tratados como atos delinqüentes – com toda certeza –, para somente depois passarem por processos de legitimação social. Escrevo isso hoje no intuito de informar sobre práticas culturais pouco difundidas e evitar possíveis interpretações preconceituosas. Bloodsports ou bloodplay são termos usados para práticas corporais que envolvem sangue, podendo ter um cunho sexual, lúdico, estético ou outra coisa que ainda não foi pensada. Tais práticas consistem em fazer cortes ou perfurações no corpo [pela própria pessoa ou por outra], assumindo o sangue um papel central numa espécie de ‘ressemantização’ do fetiche, penso eu. Como outras coisas na vida, tais ações requerem uma série de cuidados, haja vista a possibilidade da transmissão de doenças mediante o contato com o sangue. Assim, atitudes como beber o sangue de outrem é – de fato – algo perigoso. Na literatura e em trabalhos de psiquiatria pode-se encontrar uma recorrência ao termo ‘vampirismo’ para algumas dessas atividades, muito embora seu significado extrapole os limites dessas classificações lingüísticas. Esse joguinho de sangue pode ser dialeticamente associado, ainda dentro de uma perspectiva psicológica, com os pares ‘bondade e disciplina’, ‘submissão e dominação’ e ‘sadismo e masoquismo’[BDSM], mas eu não penso dessa forma. Alguns adeptos das modificações corporais extremas também se utilizam, ludicamente, desse tipo de ‘brincadeirinha sangrenta’. Afinal de contas o sangue é – para mim – também, um elemento estético. Outras vozes, que não a minha, irão ecoar: “psicótico, desviante, repugnante” [...] não irão faltar termos para que uma maioria cultural se manifeste contra a diferença. É difícil aceitar que somos diferentes. Pelo menos o senso comum já chegou à conclusão de que “a beleza está nos olhos de quem vê”!!!

domingo, 17 de junho de 2007

Das incertezas: ou discurso filosófico moderno sobre a interrogação

[nota anterior à leitura]: Trata-se de um texto denso, se não tiver nada melhor pra fazer, vá em frente. Se quiser entender, leia com calma e de forma a orientar sistematicamente seu pensamento, para que ao final possa ter uma compreensão melhor da problemática e da conclusão final. Não esqueça de considerar, impreterivelmente, a pontuação do texto. Trata-se de um discurso ‘abstrato’, não obstante repleto de argumentações lógicas. Por último, vale ressaltar, esse texto foi escrito por um ser incerto que possui algumas certezas [eu]. Boa leitura.

Ninguém é cem por cento seguro de tudo aquilo que deseja. O próprio funcionamento do cérebro [que não cabe aqui explorar os limites até então estabelecidos pela ciência, restando aqui apenas considerar as publicações mais difundidas e um entendimento genérico sobre esse tema] já explicaria, em parte, a defesa de minha breve argumentação. Um exemplo disso residiria, talvez, na conquista de um sonho, o qual, depois de alcançado deixa de ser sonho, podendo ou não perder o sentido, mas sempre instigando uma nova perspectiva ainda não pensada. Sim, nossas relações sociais são sempre dinâmicas e acompanhadas por uma cognição também mutante. Isso nos leva a ponderar a afirmação supracitada de que ‘ninguém é cem por cento seguro, sempre’. Partindo disso, sou levado a pensar [e aí cabe também considerar a pesquisa da minha amiga Raña (2006)] numa análise do ser a partir da introspecção como método. Muitas coisas que podem ser consideradas certezas estão ancoradas em uma multiplicidade de incertezas, as quais tendem, de alguma forma – e a partir de atitudes racionais –, a tomarem uma forma temporariamente fixa, ao fim, sendo constantemente remodelada e reordenada, sendo assim possível considerar a variável da incerteza enquanto aspecto estruturante do ser. Até aqui tudo claro, né?! Então vamos em frente [...] Ter certeza das incertezas que nos circundam já é o primeiro passo para se pensar o problema a partir das descontinuidades, fazendo com que a partir dessa perspectiva se possa melhor compreender o fenômeno da incerteza que ronda a humanidade desde tempos longínquos e em espaços diversos. Mas pergunto eu, não seria, também a incerteza, uma grande aliada na construção da nossa visão de mundo? Ora, ao pensar nessa possibilidade sou capaz de expandir meus caminhos, seguir e pensar em destinos nunca antes trilhados, os quais podem me levar a grandes descobertas, ou decepções, estas, em última análise, serão também responsáveis por um re-ordenamento da realidade concreta, ou seja, irá influenciar o ser na construção de sua visão de mundo. O ser humano sempre se vê assolado por inúmeras incertezas, as quais emergem, grande parte das vezes, como problemas a serem resolvidos. E os são na verdade. Com efeito, toda incerteza parece-me ser o prefácio de soluções, afinal, ao buscarmos solucionar nossas incertezas [ou problemas, como preferem alguns assim classificar], a partir da ‘análise de possibilidades’, nos colocamos frente a diversos mundos possíveis. Assim, pensando a questão a partir da metáfora de um labirinto, certamente tomaríamos caminhos errados até que achássemos a saída, pois não se conhece de antemão o caminho correto a trilhar. A única certeza, temporal, é que o labirinto tem uma saída [dada à forma como concebemos a categoria ‘labirinto’ em nossa cultura] e que se pode ter, um ou mais caminhos para conseguirmos sair do labirinto. Nesse sentido, importa mais, pensar sobre as incertezas e decidir um caminho para seguir, mesmo que este esteja ‘errado’ [e o erro é relativo]. Vencer a inércia e considerar as incertezas enquanto um mundo possível é entender parte dos complexos caminhos que o cérebro encontra na busca da ausência de dor no corpo e perturbação na alma.

domingo, 10 de junho de 2007

Para ser Homem é preciso...


Os homens deveriam saber o quanto é importante ser verdadeiro com os sentimentos. De fato, tenho visto homens que não sabem de nada, parecem agir com ‘instinto’, como se fossem animais ‘irracionais’. Estão sempre preocupados com a quantidade de mulheres que ‘pegaram’ e/ou ‘comeram’ [termos, aliais, que deveriam abominar]. Se o homem fosse, realmente, inteligente não tentaria ‘amar prendendo’, como se a mulher fosse um animal de cativeiro, um homem inteligente não aprisiona uma mulher, ele a liberta. Pobres criaturas – parecem não ter sensibilidade para compreender a beleza de conquistar a mesma mulher várias vezes, então sentem a necessidade de estar sempre de ‘galho em galho’. Ser homem é ter sensibilidade, dar a mão na hora necessária, ouvir atentamente as questões mais estranhas, penetrar no universo feminino – em outras palavras –, é preciso pensar como mulher, imergir na cosmologia e na visão de mundo delas. Conhecer os pensamentos femininos é conhecer os seus sonhos, suas aspirações, inquietações e tudo mais que fazem seus olhinhos brilharem. Para ser homem de verdade é necessário respeitar e ter admiração, ser paciente, cultuar seu sorriso todos os dias, finalmente, é preciso querer fazer a mulher feliz! Ser fiel é fácil, basta o homem se dar conta da preciosidade ao seu lado. Se um homem não se der conta é porque ele não deve gostar de mulher, gosta, no máximo de sexo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

O Homem Invisível – Parte I (ou tipo I)

Por vezes temos que ser invisíveis para nos tornarmos visíveis. A vida é cheia de regras e exceções. Regras existem, na minha concepção, para serem quebradas. E as exceções são as partes boas de toda regra. A subversão sempre me agradou. Nunca tive comportamentos padrão, quase nunca faço parte da maioria. Normalmente isso é bom, mas às vezes troco os pés pelas mãos. Claro que estou sempre querendo acertar, mas como ninguém é perfeito, espero que as pessoas especiais me perdoem pelas pequenas falhas. Posso garantir que sempre tento acertar, não gosto de decepcionar seres, verdadeiramente, humanos. Tornar-se invisível é ser atribuído de significado por outrem, logo, ficar invisível é também, em contrapartida, ganhar visibilidade. Só se percebe uma ausência [invisibilidade] quando o ‘objeto’ ou ‘ser’ em questão, de certa forma, deixa vazia uma lacuna de alguma coisa para alguém. Pode ser através de um toque, de um cheiro, de breves palavras ou um simples olhar. O homem invisível é aquele que sempre é lembrado!

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Fluxos de Consciência

Entro em casa, fecho a porta. Passo o pega-ladrão. Mas o que é mesmo ‘pega-ladrão’? Ah sim, um artefato de metal usado para impedir que outros seres humanos invadam o que se convencionou chamar de propriedade privada, e que também chamamos, carinhosamente, de nossa casa. Mas o que é casa? Casa é o lugar aonde as pessoas moram. Bom, se é o lugar aonde as pessoas moram, porque outras pessoas tem que invadir as casas dos outros? Nossa quantas perguntas! Você quer saber demais, deve ser algum ‘Problema Social’, mas não quero falar sobre isso. Não quer? Isso te incomoda? Não, apenas não quero! Pra que ficar pensando... É isso, pensando! Pensar, isso é um problema, mas não é social! Não é social? Claro que é, oras. Se o ser humano pensa e se relaciona com outros mediante uma ação que antecedeu um pensamento, então o pensamento é social! Tudo bem, concordo, mas acho os animais também pensam. Será que os animais são humanos? Na região amazônica talvez. Os pecaris são humanos e as aparências enganam. Quem é chefe em pele de leopardo? Não velho, preste atenção, você está confundindo as histórias, o chefe em pele de leopardo é Nuer, um povo do Sudão meridional e não das terras baixas sul-americanas. Ah ta! Mas porque eu tava falando isso mesmo? Sei lá, se você não lembra sou eu quem vai lembrar? Lembrar, lembrar é ter memória de alguma coisa, não é? É, mas às vezes eu esqueço. O meu fluxo de consciência é uma coisa meio louca mesmo, mas eu estava dizendo que entro em casa e fecho a porta e passo o pega-ladrão. Depois vou à cozinha e pego água. Pega água, é?! Água é legal, ela serve pra lavar as coisas, lavar os pensamentos também [interferência] “escreve cumpadi, solta a mágoa” [passa a interferência] bom, eu falava da água, água é infinita? Não sei? Pode até ser, mas acredito na estupidez humana assim como acredito que vou morrer. Não, não sou pessimista, apenas não espero demais das pessoas. Tem gente que não usa bem a água, mas não é só a água, tem gente que não usa bem o dinheiro público, tem gente que não usa bem o coração de outra pessoa, enfim, no mundo tem tudo de tudo, até maluco que pensa que escreve porque pensa que tem idéias, mas que escreve também pra não dizer nada, como agora. Os pensamentos somem do mundo sem deixar vestígios. Esse meu pensamento agora, esse fluxo de consciência, foi raptado pelas palavras e aprisionado na linguagem. Nunca mais irá fugir. Mas foi só um fluxo de consciência, uma coisa que se passou continuamente e eu deixei fluir, transformando tudo em palavras, os códigos inteligíveis da nossa linguagem.

sábado, 19 de maio de 2007

‘A Não-Evidência da minha Máscara’

Máscaras são signos de verdade
Mas também de falsidade
Revelam nuances e desejos secretos
Inspiram a vida cotidiana

Poucas pessoas me conhecem de fato
Poucas sabem ler nas entrelinhas das máscaras
Elas escondem o não dito
Elas reduzem espáduas a espáduas

Não vivo me camuflando em máscaras
Também não me agrada ser um livro aberto
Vivo no límen da não-evidência, sou um eterno neófito

Os zeugmas nas primeiras estrofes não são máscaras, são zeugmas
E alguma acontece no meu coração (...)
Mas ‘só quando cruza a Ipiranga com a avenida São João’

sábado, 12 de maio de 2007

AS APARÊNCIAS ENGANAM


Para algumas pessoas pode até parecer que a gravura ao lado não passa de uma simples panela de barro feita, provavelmente, por índios. Mas é isso mesmo! Este artefato de cerâmica foi feito por mulheres da etnia Waurá – tronco lingüístico Aruak – habitantes da região do Alto Xingu, Mato Grosso. Pois bem, o que pretendo dizer com isso?! Começo a história pela minha infância, quando, com meus pais, aprendi que saber ler é muito mais articular letras, palavras e frases. Com o tempo, fui levado a concluir que ‘as aparências enganam’. A cerâmica Waurá nos diz muito mais coisas do que podemos imaginar. Além do seu uso funcional (preparar alimentos) ela transmite muitas outras informações. Por exemplo – os mitos, que imaginamos ser aquelas histórias apreensíveis apenas por via oral ou escrita, podem estar impregnados numa simples panela de barro, sendo possível, apreender essa história também através da cerâmica. A peça de cerâmica apresenta aspectos cosmológicos que nos informam sobre o modo de vida desse povo. As panelas são zoomorfas, indicando animais presentes naquele mundo, entretanto, alguns animais não são representados nesse processo por serem considerados ‘não-bonitos’, o que, é evidente, extrapola a questão estética identificando uma cosmologia mítica Waurá. Além das formas, as peças também são decoradas com grafismos inteligíveis aquela sociedade e as técnicas utilizadas para obter a coloração são extraídas do seu próprio universo de referências. Então (...) o que mais essas panelas podem nos dizer? Poderia ainda nos fazer pensar da seguinte maneira; a confecção da cerâmica entre os Waurá é tarefa exclusiva das mulheres, assim sendo, elas são responsáveis por transmitir esse conhecimento às futuras gerações; outra forma de pensar nos leva a incluir tais artefatos no circuito das trocas matrimoniais, desse modo, as panelas também contam histórias sobre as relações de parentesco. Um último aspecto que gostaria de ressaltar diz respeito ao Moitará. Moitará são trocas simbólicas (não monetárias) realizadas entre os povos do Alto Xingu, podendo estas, ser dentro da mesma aldeia, ou entre aldeias vizinhas. Essas trocas, mediadas pelos homens, conferem prestígio e envolvem outros membros da sociedade no processo, quando são reciprocados determinados objetos, como colares, cintos, adornos de penas, armas, etc. Enfim, a mitologia Waurá pode ser contada de diversas formas, ela está presente nas panelas, nas pinturas corporais, nos formatos das casas, e em muitos outros aspectos da vida social, o que em última análise tem relação direta com um horizonte de práticas. Então lhes pergunto novamente, será que é só uma panela de barro mesmo?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

“Ô véi (...) você é EMO, é?!”


Não, não sou. Mas foi isso que ouvi de um garoto, de aproximadamente 14 anos, enquanto andava pelas ruas de Salvador. Pois é, parece brincadeira!!! Inicialmente a pergunta do garoto me causou um riso escroto, afinal, uma pergunta merece sempre uma resposta! Mas era quase um adolescente, que como eu, um dia, buscou respostas para se identificar. Assim, contive meu ímpeto sarcástico e simplesmente acenei com a mão dizendo que não. Segui andando e, num segundo momento, fiquei pensando sobre a questão, pois esse questionamento (acerca do que seria um emo) havia surgido nas minhas conversas de boteco. Faço parte de uma geração diferente. Ouvi muito hardcore brutal e com atitude (Tropa Suicida, Chãos 64, Lobotomia, Olho Seco, DRI, etc) não havendo espaço para sentimentalismos, maquiagens e depressão. Enfim, deixa eu tentar explicar o que entendo por emo. Emo é, provavelmente, abreviação de palavra ‘emocional’, derivada do contexto em que surgiu (nos EUA na década de 1980). Acho que um exemplo antropológico pode elucidar uma importante questão sobre a identidade emo. No âmbito das religiões afro-brasileiras os jêjes chamavam os iorubás pejorativamente de nagô, sinônimo de ‘sujo, imundo’, este fato, depois de algum tempo, passou a adquirir uma conotação extremamente positiva, sendo motivo de orgulho se referir, por exemplo, ao ‘sangue nagô’. Bom, com termo emo também aconteceu algo parecido. As bandas não queriam ser rotuladas como tal, mas a história, através de sucessivas intervenções, se encarregou de transmutar algo, a priori negativo, em um movimento que, no mínimo, merece respeito das gerações mais antigas. Hoje, é possível dizer que a identificação do indivíduo ou de um grupo como emo transcende as barreiras da música. Esse novo ‘hardcore emocional’, que já possui com uma série de subdivisões, tem atraído um crescente número de jovens e contribui para a uma intensificação dinâmica das identidades produzidas, observados no Brasil, somente no início deste século. Ao compartilharem determinadas visões de mundo, o modo de vida emo consegue influenciar também outros aspectos da vida social, tais como o comportamento, geralmente emotivo e tolerante, e a moda, com franjas caindo pelos olhos e pinturas de olhos e unhas de preto (independente do gênero em questão). Eles se identificam e são identificados pelos outros, por esse motivo acredito se tratar de ‘movimento legítimo’, ou seja, validado socialmente. No entanto eu tenho todo o direito de não gostar, e não gosto.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

MANUAL DA USUÁRIA


1. O PRODUTO:

Este exemplar, sem cópias, atende pelo nome de Bruno Luedy. É único. Deve ser utilizado dentro de um padrão mínimo de coerência com as especificações descritas neste manual. Caso haja algum desajuste com o produto, ou um déficit no aproveitamento da capacidade total do produto, entrar em contato com o atendimento à consumidora.

2. PRECAUÇÕES:

2.1. O material que você acabou de adquirir, apesar de não ser frágil, merece todo seu cuidado, carinho e atenção.
2.2. Não mantenha seu produto longe dos amigos dele, isso poderá ocasionar um desajuste na sintonia mental.
2.3. Quando exposto ao sol, aplicar protetor solar nas espáduas sobre as escarificações em tons escuros.
2.4. O produto possui intervalos nos fluxos de consciência. Caso você resolva utilizar a memória temporária do produto, anote as especificações e dê a ele por escrito. No caso de utilização das demais memórias; fique tranqüila, pois este modelo que você acaba de adquirir possui alta resolução com datas importantes e comemorativas.

3. NÃO ESQUEÇA:

3.1. Apelidos “ridículos” serão permitidos apenas em situações íntimas. O constrangimento público mediante a convocação por esses “apelidos carinhosos” poderá acarretar ao seu produto uma disfunção que trará prejuízo a ambas partes.
3.2. O produto apresenta grande sensibilidade a estímulos corpóreos. Em vias públicas evite intensos contatos íntimos, caso contrário poderá ser acionado um mecanismo ainda desconhecido e nunca testado o qual diz respeito a um determinado grau de insanidade.

4. LOCALIZAÇÃO DOS CONTROLES:

4.1. Ao acordar:

4.1.1.Os controles estão localizados na sutileza do acordar; ficar alguns minutos na cama sem que se levante de forma abrupta. Fazer massagem no seu produto nessa ocasião pode trazer benefícios no decorrer do dia.

4.2. Para pedir alguma coisa:

4.2.1.Utilizar sempre as “palavras mágicas”: Por favor, Obrigado. Esta prática quando associada ao “cafuné” possui uma maior funcionalidade.
4.2.2. Seja sincera.

4.3. Para deixá-lo feliz:

4.3.1. Siga sempre as trilhas desenhadas pelo coração.
4.3.2. Sorria em direção a seus olhos.
4.3.3. Deixe-o tocar guitarra, baixo e violão. Não se importe se, ao se dirigir ao produto no momento que estiver tocando, ele não responder. Faz parte da dinâmica musical.
4.3.4. Não reclame quando o produto resolver ouvir Pantera em volumes altos. Se for interrompido esse processo, o material poderá apresentar defeitos graves.

5. INSTALAÇÃO:

5.1. Chegue devagar. Antes que pense em aprisionar seu produto no “cativeiro” da sua casa por dias consecutivos, lembre-se que ele gosta de ficar sozinho em casa, conversar com seus familiares e dormir na sua cama sozinho. Chantagens emocionais não funcionam em caso de saturação corpórea do produto.
5.2. Durante o processo de instalação não interfira na dinâmica social proferida pela visão de mundo do produto.
5.3. Tecidos que proporcionem maior conforto e/ou facilitem o engajamento na esfera social podem (e devem) estar armazenados cuidadosamente em local predeterminado pelo produto.

6. CONEXÃO:

Para que sua conexão com o produto permaneça sempre “on line” trate-o bem, lembrado-se a toda hora que o seu produto é um ser tranqüilo, amante da paz e da felicidade.

7. ESPECIFICAÇÕES TÉCNICO-ALIMENTÍCIAS:

7.1. Café é sem açúcar.
7.2. Acarajé e Abará sempre são bem vindos, assim como uma boa cerveja.
7.3. Em algumas ocasiões o uso de Coca-Cola é obrigatório.
7.4. Pratos “roots” provenientes da interpenetração cultural ocupam prioridade na maior parte das ocasiões.
7.5. Pequenas doses de um bom vinho produzem bons efeitos.
7.6. Não insistir quando o seu produto rejeitar algum alimento. Insistir apenas em caso de cerveja muito gelada.

8. CERTIFICADO DE GARANTIA:

O produto oferece garantia eterna mediante a rigorosa execução/implementação dessas normas técnicas, desde que sempre seguidas de sorrisos sinceros e olhares apaixonados, assim como manifestações carinhosas que busquem, dentro de uma perspectiva de espaço e tempo, conferir a memória coletiva uma continuidade histórica feliz.


Atendimento à consumidora:
brunoluedy@hotmail.com
obs: Para solicitar a versão completa do manual da usuária favor entrar em contato com os fabricantes.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Quando me perguntam sobre os símbolos!

Todas as questões que envolvem aspectos simbólicos parecem ser de conhecimento geral, todos têm uma opinião, e ai de você que descorde!!! Então, se todos tem razão, alguma coisa está errada...Já vi até um livro que se chamava “dicionário de símbolos”, mas não concordo muito com isso. Não estou aqui negando as pesquisas alheias, estou apenas questionando o universo semiótico que envolve os símbolos. Nas minhas pesquisas antropológicas, incluindo-se aí alguns métodos e técnicas específicos que não vem ao caso, pude perceber o aspecto que hoje considero mais coerente ao tratarmos os símbolos. Trata-se do relativismo, no qual se considera todo universo cultural em questão, para que posteriormente possamos emitir algum tipo análise. Minha tatuagem, por exemplo, será que posso afirmar que ela é um símbolo que quer dizer “tal” (...) até poderia, mas não é o caso. A representatividade desse símbolo para mim apresenta uma série de significados...e significado nenhum!!! Certa feita, durante uma pesquisa de campo, um Pataxó Hã Hã Hãe me perguntou o que significava o desenho que ele achou “muito grande”...então resolvi fazer um teste com ele e disse: “Não significa nada!”, o índio fez uma cara de interrogação, repetiu minha última palavra (nada) como se não entendesse, e calou-se. Os símbolos representam alguma coisa para alguém, ou podem ser usados apenas em seu aspecto estético, sem que um significado seja necessariamente imposto aquela representação. Esse monte de mato que você vê aqui...pode ser só um monte de mato, pode ser um cemitério, ou para a mãe do índio Galdino pode ser um símbolo que lhe dá forças pra continuar na luta dos Hã Hã Hãe. Aos esporádicos visitantes do meu blog, esse é o local onde está enterrado o índio queimado na rua pelos playboys de Brasília.

Palavras-Chave: Corpo, Vícios Privados, Texturas, Drogas e Perguntas.

Experimentando texturas tomo consciência da fragilidade do corpo. Quando digo ‘corpo’ estou me referindo a uma das mais complexas categorias do entendimento humano, podendo ser compreendia em sua plenitude a partir da própria noção de ‘corpo’ de cada organização social, independente da extensão territorial que estes ocupam. Mas não quero falar sobre coisas de ciência (em outra oportunidade escreverei mais sistematicamente sobre a questão, quase, levantada). As texturas a que me refiro são alguns dos nossos ‘vícios privados’ de todo dia. Seria possível conceber uma vida sem esses ‘pequenos vícios’? Não sei se alguns intelectuais viveriam bem sem o café e o cigarro, por certo, suas produções não teriam o mesmo vigor. Fumar um cigarro e beber um café são atos de prazer. São drogas? Sim. Mas seria ingenuidade dizer que elas não causam prazer, assim como a maconha, a cocaína ou qualquer outra droga que sua visão de mundo lhe permita conceber. Essas ‘drogas leves’, dos intelectuais que falei acima, produzem um efeito sobre o corpo, efeito tão nocivo quando o de qualquer outra substância. Os corpos e seus donos são imperfeitos. Muitas vezes precisam ir ao posto de gasolina, às 00:00h de uma noite de domingo, para sentirem o prazer do alcatrão, da nicotina e de toda aura cognitiva que circunscreve o ato de fumar um cigarro, e ter a quase certeza de uma noite mais tranqüila. Quando eu converso sozinho pergunto para mim se estou cuidando do meu corpo? A resposta é sempre não. Mas eu continuo fazendo a pergunta. Perguntar é sempre uma coisa importante. Foi levantando uma série de questões, muito mais do que as respondendo, que a humanidade chegou a sua configuração atual. Por isso não me canso de pensar nos tais ‘vícios privados’ e continuar me perguntado sobre ‘os usos dos corpos’. Mas, pra pensar melhor, vou ali, buscar um café...

sábado, 21 de abril de 2007

Árvores
As árvores não são felizes.
Elas estão sempre paradas num mesmo lugar.
Seu ar imponente com raízes profundas e toda sua magnitude arbórea se mostra tímida e fraca frente a mobilidade quase que inexpressível de uma pequena formiga.
Mas as formigas também não são felizes.
Elas não são capazes de amar como nós, seres humanos.
Estes, por sua vez, aparentam ser felizes.
Nós, seres humanos,
temos mobilidade
para nos deslocarmos
a qualquer lugar
do planeta.
Podemos amar
intensa e
loucamente,
mas, ainda assim,
não somos felizes.
Não somos felizes
porque sofremos.
Sofremos por estar
longe, sofremos
porque amamos,
porque somos humanos.
Antes fossemos
como as árvores,
certamente
não
sofreríamos.