quarta-feira, 30 de maio de 2007

Fluxos de Consciência

Entro em casa, fecho a porta. Passo o pega-ladrão. Mas o que é mesmo ‘pega-ladrão’? Ah sim, um artefato de metal usado para impedir que outros seres humanos invadam o que se convencionou chamar de propriedade privada, e que também chamamos, carinhosamente, de nossa casa. Mas o que é casa? Casa é o lugar aonde as pessoas moram. Bom, se é o lugar aonde as pessoas moram, porque outras pessoas tem que invadir as casas dos outros? Nossa quantas perguntas! Você quer saber demais, deve ser algum ‘Problema Social’, mas não quero falar sobre isso. Não quer? Isso te incomoda? Não, apenas não quero! Pra que ficar pensando... É isso, pensando! Pensar, isso é um problema, mas não é social! Não é social? Claro que é, oras. Se o ser humano pensa e se relaciona com outros mediante uma ação que antecedeu um pensamento, então o pensamento é social! Tudo bem, concordo, mas acho os animais também pensam. Será que os animais são humanos? Na região amazônica talvez. Os pecaris são humanos e as aparências enganam. Quem é chefe em pele de leopardo? Não velho, preste atenção, você está confundindo as histórias, o chefe em pele de leopardo é Nuer, um povo do Sudão meridional e não das terras baixas sul-americanas. Ah ta! Mas porque eu tava falando isso mesmo? Sei lá, se você não lembra sou eu quem vai lembrar? Lembrar, lembrar é ter memória de alguma coisa, não é? É, mas às vezes eu esqueço. O meu fluxo de consciência é uma coisa meio louca mesmo, mas eu estava dizendo que entro em casa e fecho a porta e passo o pega-ladrão. Depois vou à cozinha e pego água. Pega água, é?! Água é legal, ela serve pra lavar as coisas, lavar os pensamentos também [interferência] “escreve cumpadi, solta a mágoa” [passa a interferência] bom, eu falava da água, água é infinita? Não sei? Pode até ser, mas acredito na estupidez humana assim como acredito que vou morrer. Não, não sou pessimista, apenas não espero demais das pessoas. Tem gente que não usa bem a água, mas não é só a água, tem gente que não usa bem o dinheiro público, tem gente que não usa bem o coração de outra pessoa, enfim, no mundo tem tudo de tudo, até maluco que pensa que escreve porque pensa que tem idéias, mas que escreve também pra não dizer nada, como agora. Os pensamentos somem do mundo sem deixar vestígios. Esse meu pensamento agora, esse fluxo de consciência, foi raptado pelas palavras e aprisionado na linguagem. Nunca mais irá fugir. Mas foi só um fluxo de consciência, uma coisa que se passou continuamente e eu deixei fluir, transformando tudo em palavras, os códigos inteligíveis da nossa linguagem.

sábado, 19 de maio de 2007

‘A Não-Evidência da minha Máscara’

Máscaras são signos de verdade
Mas também de falsidade
Revelam nuances e desejos secretos
Inspiram a vida cotidiana

Poucas pessoas me conhecem de fato
Poucas sabem ler nas entrelinhas das máscaras
Elas escondem o não dito
Elas reduzem espáduas a espáduas

Não vivo me camuflando em máscaras
Também não me agrada ser um livro aberto
Vivo no límen da não-evidência, sou um eterno neófito

Os zeugmas nas primeiras estrofes não são máscaras, são zeugmas
E alguma acontece no meu coração (...)
Mas ‘só quando cruza a Ipiranga com a avenida São João’

sábado, 12 de maio de 2007

AS APARÊNCIAS ENGANAM


Para algumas pessoas pode até parecer que a gravura ao lado não passa de uma simples panela de barro feita, provavelmente, por índios. Mas é isso mesmo! Este artefato de cerâmica foi feito por mulheres da etnia Waurá – tronco lingüístico Aruak – habitantes da região do Alto Xingu, Mato Grosso. Pois bem, o que pretendo dizer com isso?! Começo a história pela minha infância, quando, com meus pais, aprendi que saber ler é muito mais articular letras, palavras e frases. Com o tempo, fui levado a concluir que ‘as aparências enganam’. A cerâmica Waurá nos diz muito mais coisas do que podemos imaginar. Além do seu uso funcional (preparar alimentos) ela transmite muitas outras informações. Por exemplo – os mitos, que imaginamos ser aquelas histórias apreensíveis apenas por via oral ou escrita, podem estar impregnados numa simples panela de barro, sendo possível, apreender essa história também através da cerâmica. A peça de cerâmica apresenta aspectos cosmológicos que nos informam sobre o modo de vida desse povo. As panelas são zoomorfas, indicando animais presentes naquele mundo, entretanto, alguns animais não são representados nesse processo por serem considerados ‘não-bonitos’, o que, é evidente, extrapola a questão estética identificando uma cosmologia mítica Waurá. Além das formas, as peças também são decoradas com grafismos inteligíveis aquela sociedade e as técnicas utilizadas para obter a coloração são extraídas do seu próprio universo de referências. Então (...) o que mais essas panelas podem nos dizer? Poderia ainda nos fazer pensar da seguinte maneira; a confecção da cerâmica entre os Waurá é tarefa exclusiva das mulheres, assim sendo, elas são responsáveis por transmitir esse conhecimento às futuras gerações; outra forma de pensar nos leva a incluir tais artefatos no circuito das trocas matrimoniais, desse modo, as panelas também contam histórias sobre as relações de parentesco. Um último aspecto que gostaria de ressaltar diz respeito ao Moitará. Moitará são trocas simbólicas (não monetárias) realizadas entre os povos do Alto Xingu, podendo estas, ser dentro da mesma aldeia, ou entre aldeias vizinhas. Essas trocas, mediadas pelos homens, conferem prestígio e envolvem outros membros da sociedade no processo, quando são reciprocados determinados objetos, como colares, cintos, adornos de penas, armas, etc. Enfim, a mitologia Waurá pode ser contada de diversas formas, ela está presente nas panelas, nas pinturas corporais, nos formatos das casas, e em muitos outros aspectos da vida social, o que em última análise tem relação direta com um horizonte de práticas. Então lhes pergunto novamente, será que é só uma panela de barro mesmo?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

“Ô véi (...) você é EMO, é?!”


Não, não sou. Mas foi isso que ouvi de um garoto, de aproximadamente 14 anos, enquanto andava pelas ruas de Salvador. Pois é, parece brincadeira!!! Inicialmente a pergunta do garoto me causou um riso escroto, afinal, uma pergunta merece sempre uma resposta! Mas era quase um adolescente, que como eu, um dia, buscou respostas para se identificar. Assim, contive meu ímpeto sarcástico e simplesmente acenei com a mão dizendo que não. Segui andando e, num segundo momento, fiquei pensando sobre a questão, pois esse questionamento (acerca do que seria um emo) havia surgido nas minhas conversas de boteco. Faço parte de uma geração diferente. Ouvi muito hardcore brutal e com atitude (Tropa Suicida, Chãos 64, Lobotomia, Olho Seco, DRI, etc) não havendo espaço para sentimentalismos, maquiagens e depressão. Enfim, deixa eu tentar explicar o que entendo por emo. Emo é, provavelmente, abreviação de palavra ‘emocional’, derivada do contexto em que surgiu (nos EUA na década de 1980). Acho que um exemplo antropológico pode elucidar uma importante questão sobre a identidade emo. No âmbito das religiões afro-brasileiras os jêjes chamavam os iorubás pejorativamente de nagô, sinônimo de ‘sujo, imundo’, este fato, depois de algum tempo, passou a adquirir uma conotação extremamente positiva, sendo motivo de orgulho se referir, por exemplo, ao ‘sangue nagô’. Bom, com termo emo também aconteceu algo parecido. As bandas não queriam ser rotuladas como tal, mas a história, através de sucessivas intervenções, se encarregou de transmutar algo, a priori negativo, em um movimento que, no mínimo, merece respeito das gerações mais antigas. Hoje, é possível dizer que a identificação do indivíduo ou de um grupo como emo transcende as barreiras da música. Esse novo ‘hardcore emocional’, que já possui com uma série de subdivisões, tem atraído um crescente número de jovens e contribui para a uma intensificação dinâmica das identidades produzidas, observados no Brasil, somente no início deste século. Ao compartilharem determinadas visões de mundo, o modo de vida emo consegue influenciar também outros aspectos da vida social, tais como o comportamento, geralmente emotivo e tolerante, e a moda, com franjas caindo pelos olhos e pinturas de olhos e unhas de preto (independente do gênero em questão). Eles se identificam e são identificados pelos outros, por esse motivo acredito se tratar de ‘movimento legítimo’, ou seja, validado socialmente. No entanto eu tenho todo o direito de não gostar, e não gosto.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

MANUAL DA USUÁRIA


1. O PRODUTO:

Este exemplar, sem cópias, atende pelo nome de Bruno Luedy. É único. Deve ser utilizado dentro de um padrão mínimo de coerência com as especificações descritas neste manual. Caso haja algum desajuste com o produto, ou um déficit no aproveitamento da capacidade total do produto, entrar em contato com o atendimento à consumidora.

2. PRECAUÇÕES:

2.1. O material que você acabou de adquirir, apesar de não ser frágil, merece todo seu cuidado, carinho e atenção.
2.2. Não mantenha seu produto longe dos amigos dele, isso poderá ocasionar um desajuste na sintonia mental.
2.3. Quando exposto ao sol, aplicar protetor solar nas espáduas sobre as escarificações em tons escuros.
2.4. O produto possui intervalos nos fluxos de consciência. Caso você resolva utilizar a memória temporária do produto, anote as especificações e dê a ele por escrito. No caso de utilização das demais memórias; fique tranqüila, pois este modelo que você acaba de adquirir possui alta resolução com datas importantes e comemorativas.

3. NÃO ESQUEÇA:

3.1. Apelidos “ridículos” serão permitidos apenas em situações íntimas. O constrangimento público mediante a convocação por esses “apelidos carinhosos” poderá acarretar ao seu produto uma disfunção que trará prejuízo a ambas partes.
3.2. O produto apresenta grande sensibilidade a estímulos corpóreos. Em vias públicas evite intensos contatos íntimos, caso contrário poderá ser acionado um mecanismo ainda desconhecido e nunca testado o qual diz respeito a um determinado grau de insanidade.

4. LOCALIZAÇÃO DOS CONTROLES:

4.1. Ao acordar:

4.1.1.Os controles estão localizados na sutileza do acordar; ficar alguns minutos na cama sem que se levante de forma abrupta. Fazer massagem no seu produto nessa ocasião pode trazer benefícios no decorrer do dia.

4.2. Para pedir alguma coisa:

4.2.1.Utilizar sempre as “palavras mágicas”: Por favor, Obrigado. Esta prática quando associada ao “cafuné” possui uma maior funcionalidade.
4.2.2. Seja sincera.

4.3. Para deixá-lo feliz:

4.3.1. Siga sempre as trilhas desenhadas pelo coração.
4.3.2. Sorria em direção a seus olhos.
4.3.3. Deixe-o tocar guitarra, baixo e violão. Não se importe se, ao se dirigir ao produto no momento que estiver tocando, ele não responder. Faz parte da dinâmica musical.
4.3.4. Não reclame quando o produto resolver ouvir Pantera em volumes altos. Se for interrompido esse processo, o material poderá apresentar defeitos graves.

5. INSTALAÇÃO:

5.1. Chegue devagar. Antes que pense em aprisionar seu produto no “cativeiro” da sua casa por dias consecutivos, lembre-se que ele gosta de ficar sozinho em casa, conversar com seus familiares e dormir na sua cama sozinho. Chantagens emocionais não funcionam em caso de saturação corpórea do produto.
5.2. Durante o processo de instalação não interfira na dinâmica social proferida pela visão de mundo do produto.
5.3. Tecidos que proporcionem maior conforto e/ou facilitem o engajamento na esfera social podem (e devem) estar armazenados cuidadosamente em local predeterminado pelo produto.

6. CONEXÃO:

Para que sua conexão com o produto permaneça sempre “on line” trate-o bem, lembrado-se a toda hora que o seu produto é um ser tranqüilo, amante da paz e da felicidade.

7. ESPECIFICAÇÕES TÉCNICO-ALIMENTÍCIAS:

7.1. Café é sem açúcar.
7.2. Acarajé e Abará sempre são bem vindos, assim como uma boa cerveja.
7.3. Em algumas ocasiões o uso de Coca-Cola é obrigatório.
7.4. Pratos “roots” provenientes da interpenetração cultural ocupam prioridade na maior parte das ocasiões.
7.5. Pequenas doses de um bom vinho produzem bons efeitos.
7.6. Não insistir quando o seu produto rejeitar algum alimento. Insistir apenas em caso de cerveja muito gelada.

8. CERTIFICADO DE GARANTIA:

O produto oferece garantia eterna mediante a rigorosa execução/implementação dessas normas técnicas, desde que sempre seguidas de sorrisos sinceros e olhares apaixonados, assim como manifestações carinhosas que busquem, dentro de uma perspectiva de espaço e tempo, conferir a memória coletiva uma continuidade histórica feliz.


Atendimento à consumidora:
brunoluedy@hotmail.com
obs: Para solicitar a versão completa do manual da usuária favor entrar em contato com os fabricantes.